Mobilização, o segredo da continuidade


Uma das características do trabalho do Icep é o envolvimento das comunidades com as causas da Educação. Mais especificamente com a formação permanente de todos os educadores. Dessa forma, a organização de um território colaborativo começa bem antes da sua concretização formal ou jurídica. Ações de mobilização são o início de tudo. Uma vez sensibilizados, os atores educacionais e sociais têm condições e motivação para participar ativamente de todas as iniciativas, garantindo assim a continuidade das propostas, independentemente da alternância política provocada pelas eleições. Trata-se de tornar observável o fio nem sempre visível que conecta e inter-relaciona pessoas, profissionais, escolas, secretarias, sociedade civil e municípios, pensando em intercâmbios que deem conta da realidade e das necessidades educativas.

“A gente envolve as famílias trazendo-as para a escola, convidando-as para discutir os resultados, mostrando o trabalho que fazemos e o processo de aprendizagem do filho: o que a escola faz? Como faz? O que nós, juntos, escola e família, podemos fazer para que nossos alunos, nossos filhos, melhorem?”
Grupo de discussão de secretários de Educação do Território Chapada, 2012

Muitos podem ocupar o papel de mobilizador em uma comunidade. Porém, é essencial que, ao assumir essa função, a pessoa desenvolva duas características básicas: ter vontade de atuar coletivamente e saber ouvir. Cybele Amado de Oliveira, presidente e diretora executiva do Icep, afirma: “Mobilizar é manter-se no sentido exato da palavra confiar, que é fiar junto. É preciso ter uma crença inabalável na própria capacidade – e na dos outros – de trabalhar em parceria e de cooperar. Acredito que mobilizar é um movimento inerente à condição humana, assim como é o ato de respirar”. Uma mobilização é bem-feita quando há:

| Ampla participação
Quanto mais pessoas se envolverem no processo desde o início, melhor. Dessa forma, a política de formação surgida de uma necessidade da sala de aula será defendida por vários atores sociais e, quando de sua implantação, expressará o pensamento local sobre os problemas e garantirá a cumplicidade de todos diante das soluções apresentadas e dos caminhos a percorrer. Portanto, uma escola ou uma rede de ensino dão indícios de que um ambiente colaborativo de sucesso está em gestação quando começam a preparar diagnósticos locais e territoriais, definem prioridades, metas e investimentos e elaboram planos de ação de modo coletivo.

| Acompanhamento dos resultados
Se as metas definidas pelo coletivo – ter 100% das crianças alfabetizadas em determinado período e acabar com a evasão, por exemplo – se transformam em bandeiras de uma escola, de uma rede ou de um território, é necessário acompanhar o andamento de cada uma delas. Essa é uma forma de substituir a cultura do discurso pela cultura do resultado, mostrando os caminhos para chegar até ele. É com base no acompanhamento sistemático de um gestor e na disseminação dos dados que ele produzir que outros municípios serão sensibilizados a aderir à mobilização.

| Manutenção das ações
Eventos como fóruns e seminários para apresentar ideias, processos e resultados asseguram ao professor o direito de compartilhar o que ele produz com os alunos e dão visibilidade a ações pedagógicas eficientes; permitem que todos os colaboradores acompanhem o andamento das iniciativas e os resultados; e ainda podem ser usados para atrair novos interessados em contribuir. É uma maneira de despertar o interesse das pessoas e chamá-las à participação, promovendo cada vez mais adesão durante o processo.

Quem são os atores e os sujeitos da mobilização

Quando se trata de mobilizar esforços para conquistar metas, é preciso ter claro quem são os atores que têm interesse direto – para que não se deixe ninguém de fora — e aqueles que podem ser convidados a participar para somar esforços. Quando se trata de estabelecer políticas públicas de longo prazo, quanto mais pessoas compartilharem um mesmo anseio, melhor. Vejamos aqui quem não pode ficar de fora:

| Prefeito
Para tê-lo engajado na causa da Educação – mesmo com todas as outras demandas que um município apresenta –, é preciso mostrar a ele o histórico dos diagnósticos e das avaliações da rede feitos em gestões anteriores, com informações consistentes sobre indicadores e resultados, para que estes sejam confrontados com as metas. O prefeito pode ser sensibilizado pelo secretário municipal de Educação e pelos assessores da própria Secretaria Municipal. Não há como não se envolver quando os gestores de escolas, os professores e as comunidades são compromissados.

| Profissionais da Educação
Professores, coordenadores pedagógicos e diretores escolares são peças-chave para o êxito dos resultados da Educação. Para que se mobilizem, é preciso inseri-los nos processos de decisão desde o início, ouvindo as necessidades deles e as sugestões que têm para dar. Quanto mais se depositam confiança e expectativas em relação ao desempenho dos professores e dos alunos, melhores são os resultados. Por isso, respeitar a posição deles como protagonistas só trará benefícios. A Secretaria de Educação e as lideranças têm um papel fundamental nesse engajamento.

| Funcionários da escola
Merendeiras, pessoal da manutenção e demais agentes escolares também são educadores e modelos para as crianças. Portanto, também têm responsabilidade na formação dos alunos. Precisam estar a par de todo o processo educativo para que tenham a dimensão do próprio trabalho para além do fazer diário. Envolver os funcionários da escola é uma das atribuições dos gestores escolares.

| Famílias
Devem ser aliadas de primeira hora na implantação de política de formação continuada. E se engajam rapidamente quando descobrem que tanto elas como os filhos são sujeitos de direitos e, portanto, devem exigir qualidade no ensino. Estando próximos à escola, pais e mães ou os responsáveis legais acompanham o processo educativo das crianças ao conhecer melhor o trabalho dos professores. Ter as famílias como parceiras é possível quando são estabelecidos canais de diálogo efetivos e uma relação de respeito e confiança. Mobilizá-las também é uma tarefa para os gestores escolares.

| Sociedade civil
Além de pais e familiares de alunos, outros indivíduos e entidades têm interesse em promover uma escola pública de qualidade. Cabe aos gestores municipais e escolares identificar esses apoiadores e convidá-los para os eventos realizados em prol da Educação, ocasião em que se pode pontuar com clareza como cada um pode ajudar, de acordo com as possibilidades e as potencialidades.

| Municípios vizinhos
Um resultado positivo de um município é o tipo de informação que se espalha rapidamente pela região e pelo estado. Mais uma vez, a transparência dos dados serve de chamariz para gestores públicos que queiram perseguir bons resultados com parcerias concretas. A formação de um território permite aos envolvidos conhecer casos de sucesso e interagir com outros profissionais de Educação. A identificação de problemas comuns ajuda no estabelecimento de planos de metas e ações para um território e para cada município. Prefeitos e secretários de Educação devem manter contato permanente.

“É importante o município olhar não apenas para o técnico parceiro mas para outros municípios que possam se tornar parceiros. Por quê? Porque, na verdade, o que poderia ser um investimento alto em formação para um município pode ser diluído quando alguns municípios se juntam em um consórcio.”
Grupo de discussão de secretários de Educação do Território Chapada, 2012

O que faz o gestor municipal no processo de mobilização

Fundamentalmente, o papel do gestor municipal é transformar as intenções da comunidade em políticas públicas efetivas e viáveis. Vale lembrar que, de acordo com a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, o município é um ente federativo, podendo conduzir autonomamente a sua política educacional. Neste guia, tanto o prefeito quanto o secretário de Educação e os auxiliares executivos diretos são considerados gestores municipais. Na opinião do Icep, esses gestores precisam assumir que a formação de educadores é prioritária e, para concretizá-la, terão de ser lideranças capazes de influenciar e mobilizar os profissionais envolvidos, os pais, os alunos, os pares de outras secretarias e de órgãos da administração pública e, inclusive, o prefeito de outras cidades. É obrigação de quem está à frente do Poder Executivo local desenvolver e aprofundar competências próprias, sentir-se motivado com o cargo e assumir o compromisso com a inovação. O caráter de supervisão e controle que persiste no papel de administrador público deverá ser ultrapassado para que a gestão se torne prática social e política sustentada no estudo, na análise e no diálogo com o coletivo. É bom notar que a concretização de uma união entre diferentes entes se torna mais desafiadora quando acontece em contextos dinâmicos e diversos em relação a intenções, competências, crenças, valores e princípios, pois envolvem relações implícitas e explícitas de poder nas decisões administrativas e pedagógicas. A ação de bem administrar exige do gestor o exercício contínuo para mobilizar e influenciar grupos que não compartilham dos mesmos interesses e objetivos. Além disso, é preciso motivar crenças e compartilhar a liderança e a responsabilidade pelo trabalho realizado. Antes, porém, ele tem de acreditar que pode fazer a diferença interferindo na realidade e no resultado da escola, elevando as expectativas dos sujeitos, inquietando a comunidade, valorizando desejos e sonhos e criando movimentos pela aprendizagem e pelo conhecimento. O papel do gestor municipal é extremamente desafiador e pressupõe:

| Manter o foco no ambiente educativo, nas práticas formativas e pedagógicas, nas condições de trabalho dos profissionais e na consolidação da gestão democrática, visando a permanência dos alunos na escola e o sucesso dos resultados de aprendizagem.

| Considerar o caráter apartidário da política educacional.

| Analisar e manter os projetos exitosos já existentes.

| Priorizar os avanços concretos e estruturar, com base neles, os planejamentos futuros.

| Enfatizar a corresponsabilidade entre todos os profissionais, nas diferentes dimensões da rede municipal de ensino, estimulando o surgimento de uma cultura escolar orientada para o compartilhamento e o comprometimento com os objetivos educativos.

Competências que todo gestor engajado deve ter

Uma vez assumida a formação permanente como uma política pública, compete ao gestor e à equipe formatá-la e fazer com que ela aconteça. Posteriormente, o papel dele será trabalhar na composição de territórios colaborativos e participar dessas iniciativas. Isso requer capacidade de perseguir metas, supervisionar as ações e os atores, coordenar parceiros, gerenciar tensões e gerir os mais variados processos e pessoas num âmbito colegiado.

“Essa tarefa, no início, parece romântica e às vezes impossível. Entretanto, a história e os processos construídos até aqui revelam que o romantismo se tornou possibilidade, a facilidade se transformou em ferramentas exequíveis e a impossibilidade se tornou desejo dos prefeitos em transformar a realidade educacional em seus municípios.”
Liz Bethânia Bispo Lima Andrade, coordenadora pedagógica em Lençóis

É preciso refletir continuamente sobre o próprio papel e atuação. Embora o cargo de gestor não seja técnico, o secretário precisa conhecer muito bem a área, os temas concernentes à Educação e a legislação pertinente. Ter ética no trato com as pessoas e a coisa pública e estar envolvido com as questões educacionais são também condições básicas. É recomendável, numa gestão que se inicia, manter profissionais da gestão anterior que trazem a experiência e a memória das iniciativas e, ao mesmo tempo, detectar novas lideranças que surgem no processo. Formar uma rede colaborativa de gestores municipais para a troca de experiências e o engajamento em formação continuada é uma ação que leva ao aprimoramento permanente da gestão de pessoas e da gestão pedagógica e promove, ao mesmo tempo, a aprendizagem.

“No Território Chapada Diamantina, os secretários municipais de Educação se reúnem mensalmente para discutir, trocar experiências e construir ações coletivas que visam ao aprimoramento das ações formativas na rede. A união suprapartidária desses atores favorece, e muito, as tomadas de decisões. A título de exemplo, o Território Chapada decidiu por um trabalho conjunto de Educação Infantil, de modo a colocar em pauta as ações formativas e os direitos da infância.”
Grupo de discussão de secretários de Educação do Território Chapada, 2012

Aqui estão as principais ações que um gestor engajado com a Educação deve empreender:

|Formar equipes e capacitá-las
É fundamental que todo gestor municipal tenha, nas escolas da rede, diretores que sejam líderes da comunidade, articulem as demandas e necessidades coletivas; coordenadores pedagógicos que analisem a prática e ajudem os professores a refletir sobre elas; e equipes técnicas que fortaleçam o trabalho de ambos os profissionais, elaborando planos de formação e se corresponsabilizando pelos resultados. Cabe ao Poder Executivo local (prefeito e secretário de Educação) garantir a existência de tais cargos nas escolas, a definição das funções, a contratação de profissionais, a capacitação e o envolvimento de cada um na construção dos respectivos papéis.


| Investir na formação de coordenadores pedagógicos, gestores e supervisores de ensino
Os resultados de uma formação realizada diretamente com os professores podem aparecer mais rápido do que quando a formação é feita com os coordenadores pedagógicos das escolas. Porém, quando o gestor municipal investe na formação de formadores, ele garante a continuidade das propostas no município. Pelo mesmo motivo, ele deve apostar na formação específica dos diretores escolares e dos supervisores técnicos da Secretaria de Educação, promovendo a otimização das agendas para que as atividades formativas estejam presentes na carga horária de todos os profissionais.


| Garantir, em cada escola, o constante acompanhamento da sala de aula
Qualquer objetivo em Educação só é alcançado quando as ações previstas nas políticas públicas atingem cada um dos alunos. Diagnósticos permanentes e conselhos de classe são bons instrumentos para discutir as dificuldades dos estudantes e encontrar soluções com base na experiência da equipe escolar. Os resultados sistematizados de cada unidade devem, posteriormente, ser agrupados e avaliados conjuntamente pela equipe técnica da secretaria. Ao gestor, cabe criar condições e oferecer instrumentos para que a escola faça esse levantamento de forma sistematizada e estabelecer uma rotina de acompanhamento dos dados para que eles sejam, de fato, utilizadoscomo base de novas políticas.


| Fazer revisão permanente do processo de formação
O percurso teórico e prático proposto para a equipe técnica precisa ser constantemente revisto pela equipe técnica da Secretaria de Educação, sob a supervisão do gestor escolar, a fim de que os caminhos sejam reformulados e os conceitos ressignificados, sem perder de vista os alunos como centro do processo.